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A politização da bola

De um lado, bolsonaristas se recusam a comemorar os gols e a vitória do Brasil. De outro, petistas comemoram não apenas os gols e a vitória do Brasil, mas a contusão de Neymar. Mais parecidos entre si do que admitiriam no escuro, militantes à direita e à esquerda se encontram no centro de campo de um mesmo problema: a politização de tudo, inclusive da bola.

O futebol é uma construção coletiva e histórica no imaginário brasileiro. Você pode gostar ou não do esporte em si, mas não pode negar que ele compõe a identidade simbólica do povo que nos tornamos. Uma pátria se reconhece de muitas maneiras, e as chuteiras são nosso calçado comum.  

Como o carnaval, no futebol há festa e catarse, há sentido de esperança e união. Como no carnaval, o futebol mistura diferenças e mobiliza comunidades. Se a rivalidade entre os clubes nos impõe diante dos outros, na Copa do Mundo nos deixamos absorver numa espécie de panteísmo da brasilidade.

Deixar que a política se meta na escalação, que silencie o grito, que atrapalhe o abraço, é deixar que a política seja mais importante do que a escalação, o grito, o abraço. Em 1970, a maior seleção de todos os tempos foi tratada como produto tipo exportação da ditadura. O drible de Pelé em Mazurkiewicz foi de direita ou esquerda?

Se a sazonal discussão sobre a obra de arte e o artista já me parece tola, imaginem a discussão sobre a bola e o voto. Leio livros, escuto música, vejo filmes de gênios que, genialidade à parte, foram fascistas, comunistas, colonialistas, ateus, cristãos ou indiferentes. Não celebrarei a qualidade do jogador que tem esta ou aquela opinião?

Ter consciência política é saber o momento de deixar a política fora do domínio da consciência. Ter consciência política é não permitir que a política esterilize as minhas paixões. Ter consciência política é distinguir a obra de arte e o artista – o gol e a urna. O voto – o único voto – de Neymar não importa. Seus dribles – seus muitos dribles – sim.  

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