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A revolução reacionária

Com a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 e, principalmente, com a sua derrota, em 2022, o teatro da intelligentsia reacionária subiu o pano e revelou, sem vergonha nem cuidado, quem era quem, quem queria o quê.

Se ainda houvesse qualquer pudor em caracterizar o bolsonarismo como o que ele é, um movimento golpista, e não a manifestação legítima de uma suposta “maioria silenciosa” – aliás, quebra-galho moral para tanto quebra-quebra democrático –, presumo que não haverá mais. Tudo o que a direita prometeu que a esquerda faria, a própria direita fez. Direita empreendedora.

Os marcos teóricos e éticos defendidos em verso e prosa pelo bom conservadorismo – limitação estatal, reformismo, prudência, ceticismo político, debate livre, consciência individual – foram rapidamente trocados por cargos, indicações, salamaleques, respeitinhos, cumprimentos, reverência, espírito de grupo, reações de tribo, aumento de audiência.

Sempre alertas contra quaisquer mandos, desmandos ou falta de comando dos governos de esquerda, ideólogos à direita calibraram as críticas, edulcoraram o discurso, envernizaram as frases, ajustaram as análises, fecharam os olhos, taparam os ouvidos, apararam as arestas da irreverência e, por fim, tiraram os sapatos para não sujar a sala de controle do poder. Tudo em nome da causa, ainda que a causa tenha mudado de nome.

A propósito, existe uma extensa bibliografia – na verdade, quase um gênero literário à parte – a respeito do que se convencionou chamar de “traição dos intelectuais”, expressão que dá título a um livro do francês Julien Benda.

De maneira geral, no século XX, a denúncia desse pecado era feita por pensadores de direita contra pensadores de esquerda. O já citado Benda, mas também Ortega y Gasset, Karl Popper, Thomas Sowell, Roger Scruton, Paul Johnson, Jean Sevillia, Roger Kimball, Raymond Aron. Mais alguém? No Brasil, Olavo de Carvalho.

O tema – e o problema – é a atração dos intelectuais pelo poder político. Com o tempo, a atração se transforma em fascínio; de fascínio se converte em sujeição. Que filósofos e cientistas sociais atraídos pelo governo terminem traindo seus leitores e, em especial, sua própria vocação, é questão de tempo e oportunidade.

O que acontece hoje em Brasília, com a conivência de parte das Forças Armadas e das polícias dos estados, e a chantagem de empresários que financiam a instabilidade que depois cobrarão com juros altos, é a mais autêntica realização intelectual de tantos subintelectuais cuja obra há muito tempo se resume a jogar milho aos pombos do bolsonarismo e a rodear as bordas do poder. Eu mesmo confesso que sou tentado a dar os parabéns pelo sucesso. Conseguiram o que tanto queriam: dissolver a política no caldeirão do terrorismo. Por muito pouco, não reeditaram a “Gloriosa”.

Não sei se, ou o quanto, receberam por isso. Não sei se o pagamento foi em dinheiro ou em prestígio junto a um público feito de pobres-coitados que arriscam a vida e renunciam à sanidade para servir de bucha para o canhão dos colaboracionistas. O que sei é que a traição é a mesma. Só mudaram os traidores.

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