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Bolsonaro liberal? Bolsonaro conservador? Nem a pau, Juvenal

Para além do antipetismo, Bolsonaro conseguiu vender a uma porção considerável do eleitorado a promessa de um governo liberal na economia e conservador nos costumes. Um receituário livre-mercadista num ambiente de sólidos valores morais. Houve quem apostasse tudo nesse bingo eleitoral. Deu no que deu. Aliás, deu no que não deu. A única fraude nas urnas foi a própria candidatura.

Você, liberal, você, conservador, que nem sob decreto votaria no Lula, deveria considerar ao menos o voto nulo. Porque se quer mesmo votar num candidato liberal, não há: Bolsonaro nunca foi. E se quer mesmo votar num candidato conservador, não há: Bolsonaro nunca foi.

Antes militar, depois eleito e reeleito muitas vezes, Bolsonaro e família rastejaram nos corredores do legislativo sem deixar qualquer vestígio de trabalho em favor de pautas liberais. Vivem grudados no Estado como carrapatos em capivara. Consomem dinheiro público há mais de três décadas.

Estado, privatizações e economia à parte, a tradição liberal é bem mais do que a apologia burra do mercado, esse guedismo desinformado que consiste em pregar Estado mínimo justamente para fazer o mínimo possível e deixar o país à mercê das circunstâncias.

A tradição liberal é, isto sim, apologia dos direitos e das liberdades individuais. É viver e deixar viver. É não incomodar e não permitir ser incomodado. É garantir a participação política sem entraves nem ameaças. É saber ganhar, mas, principalmente, saber perder.

Não pertence à doutrina genuinamente liberal, mais de Bobbio que de Friedman, o entusiasmo com o militarismo, o fetiche pelas armas, o consentimento à violência policial, o aplauso à tortura, a tolerância à ditadura, a convocação à revolta armada, o fechamento do Congresso, a dissolução do Supremo Tribunal Federal.

Bolsonaro quer, gosta, defende tudo isso. Bolsonaro não é liberal nem aqui, nem na China – isso não é força de expressão: tem muita gente no partido comunista chinês que é mais liberal que Bolsonaro.

Em contrapartida, por mais que aparente, Bolsonaro sequer é conservador, se entendermos por conservadorismo o acervo teórico civilizado e culto, que vai de Edmund Burke a Roger Scruton; que passa por Tocqueville e chega a Oakeshott; que fala inglês com Chesterton e francês com Aron. Há outros, muitos outros, sobre nenhum dos quais o presidente terá ouvido falar.

Todos defendem, em alguma medida, e descontados os eventuais anacronismos e feitas as devidas contextualizações, “os limites da ação do Estado”, título de um importante livro de Wilhelm Von Humboldt.

Além disso, defendem o amor pela cultura – que deve ser preservada, cultivada e levada adiante, mesmo que, para isso, seja necessário o financiamento estatal de eventos e atividades que o dinheirismo imediatista não bancaria.

No que tem de bom, o conservadorismo é reformista. Por desconfiar da perfectibilidade humana, o conservador franzirá o cenho diante de ímpetos revolucionários ou de ruptura, especialmente armada. Um conservador, sem se apegar ao que não funciona, preferirá o processo conhecido e reconhecido à tentação do desconhecido. Um conservador que se preze, prezará pelas regras do jogo.

Bolsonaro não aceita as regras do jogo democrático. Desacredita da ciência. Não tem cultura, não sabe quem tem, nem faz questão de saber o que é preciso para preservá-la. Desde sua vitória, ensaia a quebra institucional e apela à emoção, mais que à razão. Por ele, tem que acabar com “tudo isso que está aí”, seja lá o que porventura se entenda sobre o que estiver aí.

Analfabeto em muitas línguas, desconhece o vocabulário liberal e sequer arranha a gramática conservadora. Desta, exibe os preconceitos. Daquele, repete os clichês. O voto em Bolsonaro não é programático ou ideológico: já não cabe discussão. O voto em Bolsonaro é performático e psicopatológico: ainda cabe tratamento.

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