em Bolsonaro, Brasil, Lula

Digam ao povo que voto

O Brasil tem aproximadamente 156 milhões de eleitores. Quanto vale a divisão do meu voto por 156 milhões? O resultado da conta que não fiz é minha parcela de contribuição para a possível vitória de Lula.

Desde que me conheço por eleitor, rejeito o projeto petista. Mais do que isso, rejeito o imaginário lulopetista. Nunca havia declarado voto em candidato algum. Pois, vejam só, chegou a hora de declarar voto pela primeira vez – e declarar voto justo no Lula.

Durante os últimos meses, quando o arranjo de uma terceira via foi desarranjado no altar de egos feridos e na cova de partidos insepultos, cogitei, mais uma vez, anular. Seria fácil. Seria cômodo. Seria preguiçoso. Eu não queria sujar minha alminha  de anarquista.

Mas o fato é que a política contamina tudo aquilo que toca, e nossos dedos saem invariavelmente imundos da combinação numérica que escolhemos nas urnas. Fazer o quê? Às vezes é preciso comprometer-se.

Eu bem gostaria de votar sob a ética da convicção, mas terei de apelar à ética da responsabilidade. Toda política é realpolitik, sabia Max Weber. Embora teimoso, também sei e admito que sei.

E por que não votar nulo ou branco? Se Lula não é, para meu olfato ideológico, candidato que se cheire, se já escrevi tanto contra ele, por que, desta vez, baixar as armas do cinismo eleitoral e depositar minha fração de, aspas, confiança no ex-presidente?

Desta vez não votarei nulo ou branco porque, diante do escândalo humanitário que é o governo Bolsonaro, diante da ameaça futura que esse escândalo representa, deixar que os outros sujem as mãos por mim tem nome: covardia. Tem sobrenome: deserção. Tem apelido: omissão.

O PT ascendeu ao poder, perdeu eleições, venceu eleições, foi vencido num jogo em que distribuiu as cartas e entregou o poder sem ameaçar diretamente a Constituição. Aceitou impeachment e prisão.

Bolsonaro, por sua vez, desde o primeiro dia sugere ou promete o contrário. Sou crédulo. Quando ele manifesta os sinais de desapreço pela democracia, acredito piamente. Na dúvida, prefiro o demônio conhecido ao desconhecido.

Se vencer, Bolsonaro terá um Congresso mais reacionário, parte das Forças Armadas e da Polícia Militar, além do Centrão. Já Lula, se vencer, não terá sustentação para ensaiar qualquer golpe, supondo (não acredito) que queira. Votar em Lula é derrotar Bolsonaro e oferecer ao vencedor pouco mais que as batatas. Lula terá uma vitória ingrata.

Minha decisão foi tomada com a divulgação das últimas pesquisas. Intimamente comemorei que Lula tivesse consolidado vantagem. Como se houvesse surpreendido em mim mesmo um pensamento impuro, verbalizei o que tentava calar.

Ora, torço por uma derrota de Bolsonaro e sou obrigado a reconhecer o que está em disputa. A diferença é de natureza, não de grau. Em tudo o que Lula é bom, Bolsonaro é ruim. Em tudo o que Lula é ruim, Bolsonaro é muito pior.

Por isso, se eu tivesse que decidir, sozinho, entre Lula e Bolsonaro, decidiria pela vitória de Lula, decidiria pela derrota de Bolsonaro. Mas não farei isso sozinho. Militantes de longa data ou petistas de undécima hora, convictos como sempre ou desconfiados como nunca, milhões de cidadãos somados dividirão a responsabilidade de tirar Bolsonaro do poder.

Uma eleição serve para escolher quem nos representa e quem não admitimos que nos represente. Uma eleição serve para escolher aqueles que preferimos enfrentar nos quatro anos seguintes.

Quem me lê há certo tempo sabe o quanto é difícil essa posição. A quem me lê há certo tempo e sabe o quanto é difícil essa posição, peço encarecidamente que vote em Lula ou se abstenha.

Quero Lula como adversário político, ético e ideológico a partir do dia 1º de janeiro de 2023. Bolsonaro é um sociopata que não serve nem como inimigo. Quero-o na cadeia assim que possível. Observado o devido processo legal, é claro.

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