em Bolsonaro, Brasil

Fascismo recreativo

No interminável dia seguinte à derrota eleitoral de Jair Bolsonaro, o país virou um imenso circo em que se apresentam os mais variados tipos de palhaços, bichos e ilusionistas. São tantas as cenas lamentáveis que já não há como lamentar tantas cenas.

Algumas, confesso, servem de alívio cômico. Outras são piada de mau gosto, que dão oportunidade à pergunta: “Qual é o limite do humor?” Ignoro o limite do humor, mas conheço pantomimas que não têm graça nenhuma.

Por exemplo, a estranha… adaptação – digamos assim: adaptação – do rito de juramento à bandeira ocorrido dias atrás, em São Miguel do Oeste (SC).

Em mais uma singela amostra de patriotismo escolar, cidadãos entoavam o hino nacional de mãos espalmadas à frente, num gesto vagamente parecido com certo gesto bastante frequente num certo país europeu, na primeira metade do século XX.

Como era de se esperar, as imagens causaram espanto, mesmo a uma audiência farta de se espantar.

Líderes do movimento juraram que só juravam mesmo à bandeira pátria, e qualquer semelhança com a saudação nazista seria uma infeliz e semiótica coincidência. De coincidência em coincidência, a gente sabe, o nazismo encheu os fornos.

Todas as organizações judaicas e a embaixada alemã tiveram opinião um pouquinho diferente. Sentiram-se ultrajados e condenaram com veemência o incidente. Presumo que entendem de nazismo melhor do que eu e do que nós juntos.

Uma rápida pesquisa a propósito dos ritos pátrios esclarece que de rito pátrio aquela gente entende tanto quanto entende de democracia. Mas vale a intenção.

Que o evento tenha ocorrido em Santa Catarina, glorioso estado onde há nazistas o suficiente para eleger um deputado ou dois na Alemanha – quer dizer nada.

Que a manifestação defendesse coisas amenas e justas como intervenção militar e anulação das eleições – detalhezinho.

Que o país esteja refém de manifestantes inspirados num presidente que têm sérias dúvidas sobre o verdadeiro papel da presidência numa república – trivialidade.

Isso significa que todos ali eram nazistas de carteirinha, sócios-torcedores, membros vitalícios? Não significa. Mas o bolsonarismo, desde a campanha eleitoral de 2018, flerta com símbolos, modos, princípios que não alegrariam uma Anne Frank.

O fascismo, mais do que uma programa, é um conjunto de ações e reações, um imaginário, um estado de espírito. O fascismo não precisa ser assumido doutrinariamente para existir. É uma estética e também uma ética.

Por isso, sugiro que se porventura o desavisado concidadão não quiser ser confundido com um nazista, Deus nos livre!, basta se esforçar um pouquinho para não se parecer tanto com um nazista.

Gestos, demandas, comandos, violências, gritos, ritos, insígnias, doutrinas nazistas?

Na dúvida, evite.

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