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Glossolalia bolsonarista

Que Bolsonaro e famiglia são fluentes em línguas estranhas à democracia, ninguém duvida. Mas, dias atrás, pudemos assistir a um fenômeno ainda mais surpreendente.

A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, tão logo confirmada a aprovação do terrivelmente evangélico André Mendonça ao STF, desatou a falar em línguas incompreensíveis aos homens, só compreensíveis aos anjos e a Deus.

Ou quase isso.

Seguiu-se a reação esperada: uns, mais à esquerda, publicavam o mal disfarçado desprezo à religião (cristã, em especial) sob a desculpa de que aquilo feria a laicidade do Estado. Outros se dedicavam a denunciar o preconceito.

Ora, a manifestação pessoal da fé não fere o Estado laico. Ainda que fosse razoável esperar algum comedimento, dadas as circunstâncias, também não era o caso de inspirar revoltas de Danton e Robespierre.

O que importa é que a estranheza da escolha precede a esquisitice da glossolalia.

Nunca, em momento algum, a indicação de André Mendonça foi anunciada pelos motivos esperados: notório saber jurídico, reputação ilibada, respeito à Constituição, blábláblá. Ministros têm, e podem ter, sua fé. Podem inclusive não a ter.

Ministros, entretanto, não podem ser escolhidos por sua causa ou sua falta. Ministros não podem ser escolhidos para servir de extensão da vontade presidencial, como se o presidente fosse o sacerdote da tribo. E é disso que se trata.

Não há preconceito algum em manifestar desagrado quando se percebe a promiscuidade entre Executivo e Judiciário, entre público e privado, entre mérito e apadrinhamento.

Bolsonaro não é criticado por exercer ou defender sua fé. Até porque ele a exerce e defende mal: em sentido estrito, sua observância dos princípios cristãos só não é mais livre que sua observância dos princípios democráticos. Bolsonaro é criticado, e continuará a sê-lo, por exercer e defender uma espécie de fé em que os sacrificados somos todos nós.

Seu autoritarismo fala todas as línguas.

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