em censura, Hitler, Política, sociedade

Index Librorum Prohibitorum

Uma jornalista conta que viu o livro do coronel e torturador Brilhante Ustra exposto numa livraria de rodoviária, e interpelou o dono:

“O senhor acha ok vender livro de torturador”?

“Não existe livro proibido, senhora”.

Ela é progressista e, certamente, tem na ponta da língua os argumentos a favor da liberdade de expressão – quando a liberdade de expressão lhe interessa. Quando não é bem o caso, apela a outros valores e revela ao distinto público que, a depender do regime, do personagem, do livro, da ideologia, da estação do ano, a censura é medida razoável.

Porque sim, em que pese nossa sensibilidade a certos temas e nossa preocupação com certas ideias, é disso que se trata: censura. Proibir a escrita, produção, circulação e leitura de livros com a desculpa de que podem ser perigosos. Desculpa mil vezes usada contra e a favor de tanta gente.

Estamos de acordo, eu e ela, eu, ela e a multidão, que o panfleto de Ustra vale tanto quanto o panfleto de Hitler. Mas proibir livros odiosos ainda é proibir livros, odiosos ou não. Prefiro não arriscar ou permitir que arrisquem por mim.

O que o vendedor de livros na rodoviária faz não é vender livros de torturadores, mas vender livros, ponto. Livros escritos por gente boa e má. Lidos por gente boa e má. Desprezados por gente boa e má. Proibidos por gente boa e má.

Tempos atrás, Mein Kampf, Minha Luta, a porcaria fascista de Adolf Hitler, caiu em domínio público. Seguiu-se a discussão: uma editora teria o direito moral de reeditá-lo? Faz qualquer sentido sua reedição?

Pelo sim, pelo não, defendi e defendo que sim.

Livros são registros, documentos, confissões. Quero saber o que pensa Hitler e os neonazistas para não repetir nem permitir que se repita o que fez Hitler. Aliás, vale para Lenin, para Mao, para tantos outros. O diabo conhecido é melhor que o desconhecido e, de resto, ideias sombrias perdem a força se trazidas à luz.

Mas, sobretudo: já me basta o tirano que porventura escreva os livros. Não quero outro tirano que porventura escolha quais eu posso ler ou que me proíba de lê-los. Seja esse tirano Ustra ou Hitler. Um livreiro ou uma jornalista.

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