Para a esquerda ideológica, que vive e sobrevive das migalhas caídas do prato de Lula, até anteontem Geraldo Alckmin era o protótipo de fascista antes que surgisse o genuíno fascista.
Agora, com a mais recente aproximação, os militantes têm oscilado entre o murmúrio ressentido e o revisionismo oportunista. Na prática, todos baixarão a voz em sinal de respeito.
Não bastasse, Lula gira a faca nas veias abertas da América Latina e reconhece a disposição de Delfim Netto para o diálogo, o mesmo Delfim que já foi seu conselheiro e, antes disso, conselheiro do AI-5.
Alguém acha mesmo que Lula se preocupa com a memória da ditadura? Faça-me o favor. Ele está preocupado com as próprias memórias, principalmente as futuras.
Porque Lula se vê como um fim em si mesmo, e submete quaisquer princípios gerais e públicos aos princípios restritos e privados que lhe convenham.
Ele corta, esconde, distribui – e às vezes rouba – as cartas do viciado baralho que é a política brasileira.
Se for preciso apelar aos instintos da esquerda mais extrema, ele apela. Se for preciso dividir a mesa com o fisiologismo mais extremo, ele divide. Do ABC a Davos, está em casa.
O abraço no detestado Alckmin e o elogio ao interminável Delfim são feitos da mesma matéria que os louvores a Chávez e os afagos a Castro.
Quem ousa questionar essa, digamos, antropofagia ideológica, é visto com maus olhos. Fernando Gabeira, Eduardo Jorge, Marina Silva, Marcelo Freixo, Tabata Amaral e Ciro Gomes servem de exemplo. Por isso renegados ou tratados com desconfiança.
Que ninguém se surpreenda com nada.
Lula ensina a uma parcela considerável da esquerda que ela não sabe o que é política, ignora o que é poder e não tem, nunca teve, vergonha na cara.
Ele fala, ela anota. Ele indica, ela aprova. Ele manda, ela obedece. Nas urnas e fora delas.