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Quem tem ódio de Marina Sena?

Eu não conhecia Marina Sena.

Soube dela ao saber do ódio que lhe devotam.

Dias atrás, num desabafo no Twitter, ela disse que essa era “a sua voz” – e continuaria sendo – gostassem ou não.

Intrigado, imaginei que se tratasse da sua voz lírica, autoral, talvez política. Mas não. Era mesmo da voz que se tratava: física, sonora, intransferível.

Fui conferir por que motivo a tal voz incomodaria tanto – e entendi. Ao mesmo tempo, não entendi.

Entendi que seu timbre, seus gestos e seus recursos vocais pudessem causar alguma estranheza àqueles mais acostumados a um canto domesticado, de textura digerível. Canto papinha de criança.

Mas não entendi que dessa estranheza pudesse nascer ódio, ojeriza, horror, como se a excentricidade vocal da artista fosse uma espécie de insulto à moralidade auditiva da audiência.

Antes da carreira solo, Marina cantou na Rosa Neon e n’A Outra Banda da Lua. Oscilou entre o pop e o alternativo – nem tão alternativo que não seja assoviável, nem tão pop que seja previsível.

Mas é sozinha, quase solitária, que ela conheceu o repentino (e, para meu gosto, mais do que merecido) sucesso de público, com a canção Por Supuesto.

Uma melodia grudenta, menos óbvia do que parece, em que graves e agudos vestem um lirismo irônico, quase cínico, nos versos e na intepretação.

Até que chego ao refrão e descubro o porquê da estranheza: provavelmente inspirada no canto das lavadeiras do Norte de Minas, onde nasceu e cresceu, Marina projeta um agudo anasalado, duro, fechado, propositalmente caricato, que no entanto se desmancha, logo em seguida, para dar espaço a uma cobertura vocal grave, doce, controlada.

Ela sabe o que faz e faz porque quer.

Mas vai contar (ou cantar) isso para ouvidos ignorantes, preguiçosos, raquíticos.

De repente, o timbre de Marina Sena, sua técnica vocal, sua opção estética, sua persona lírica caíram nas desgraças de quem tem por vocação odiar, simplesmente odiar.

Alguns odeiam com a mesma facilidade com que outros cantam.

Há semanas, um exército de ressentidos, com demandas sexuais e psicológicas não atendidas, vem perseguindo e atacando a cantora em suas redes sociais.

Seu crime? Seu pecado? Seu defeito?

Ter a voz que tem. Cantar do jeito que canta. Vencer do jeito que vence.

Torço para o sucesso de Marina com a mesma intensidade com que torço para o insucesso de seus detratores.

Mas que ela saiba, ainda que não lhe sirva de consolo, que o problema não é com ela.

Sua diferença no cenário musical atrai o ódio porque odiadores só fazem isso: odiar. 

O ódio gratuito sempre existiu e não cessará de existir. O que temos de novidade é que agora o ódio berra nos microfones, lota os estádios, vence as eleições.

Que Marina Sena cante: é sua vocação. Que odiadores odeiem: é sua sina.

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