Enfim, a nação pôde tomar conhecimento do rigorosíssimo documento que as Forças Armadas prepararam sobre a legitimidade das urnas eletrônicas. Vocês sabem como é: em democracias saudáveis como a nossa, os militares têm de opinar sobre as escolhas dos civis.
Opinaram e concluíram (mais ou menos constrangidos, a depender da patente) que, depois de tantas e tão graves declarações, nada tinham a declarar. Não houve (surpresa!) fraude nem indícios de manipulação. Ficaram desarmados.
Espero que nossos valorosos oficiais possam voltar prontamente à pintura de meio-fio, insalubre porém necessária missão, dada a imprevisibilidade do clima num país como o nosso, para que nós outros possamos voltar à imprevisível rotina constitucional a que, bem ou mal, estávamos acostumados.
Enquanto isso, hordas de romeiros bolsonaristas, abandonados por seu Messias, vagam a esmo Brasil afora, nas cidades grandes e pequenas, e se dividem entre a teoria da conspiração e a Síndrome de Estocolmo.
Cheios de energia represada, pois boicotaram o distanciamento social durante a pandemia, agora podem praticar distanciamento social em nome de um golpe que não aconteceu nem acontecerá.
Caso mais de patologia que de ideologia, estudo mais afeito a psicólogos sociais que a cientistas políticos, o bolsonarismo me faz lembrar a “Praga da Dança”, insólito evento ocorrido durante a Idade Média.
De repente, pequenos grupos, depois grupos maiores, começaram a chacoalhar, a gemer, a uivar, a invocar Deus e Satã, num incontrolável impulso de dança, com movimentos semelhantes aos ataques que Ian Curtis, cantor e letrista do Joy Division, tinha no palco.
Ninguém descobriu as causas do extraordinário fenômeno – fenômeno, a propósito, que me parecia apócrifo, duvidoso, interessante demais para ser verdadeiro, até a derrota de Jair Bolsonaro ser confirmada.
Estamos vendo a história se repetir.
Pequenos grupos, depois grupos maiores, começaram a chacoalhar, a gemer, a uivar, a invocar Deus e Satã, num incontrolável impulso de dança, com movimentos semelhantes a que as vítimas da praga medieval foram acometidos.
Frustrado com o irrelevante parecer das Forças Armadas, um militante conseguiu articular, entre gemidos, uivos e invocações, as seguintes palavras: “Tomamos chuva à toa?”
Sim, tomaram.