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Voluntários da patacoada

Foi no dia 7 de Janeiro de 1865 que o governo imperial brasileiro convocou os, aspas, voluntários da pátria, para engrossar as fileiras da brigada militar na infame Guerra do Paraguai.

A história gosta de se repetir; no Brasil, vira anedota.

Foi no dia 30 de outubro que os voluntários da patacoada atenderam ao chamado do governo que se pretende imperial brasileiro para engrossar as fileiras da brigada militar na infame guerra contra a Constituição.

É engraçado, mas é também um problema e o problema se impõe de um jeito ou de outro.

Que será feito desse povo que vaga pelas ruas, rodovias, praças e avenidas, à espera do seu “desejado” Dom Sebastião?

Bolsonaro é, mais do que causa, o efeito de um fenômeno impressionante e ainda não muito bem compreendido. Que os pensadores pensem sobre isso nos próximos anos. Aliás, já começaram: o professor João Cezar de Castro Rocha chama a patacoada de “dissonância cognitiva coletiva”. Um pouquinho mais científico que eu.

Aparentemente, não se trata de votar neste ou naquele, por estes ou aqueles motivos, bons ou maus, mas de uma absoluta desconexão de milhões de pessoas (cidadãos, eleitores) com a, na falta de termo melhor, “realidade”.

Os conhecimentos e costumes culturais tidos como certos, estáveis e dignos de confiança foram substituídos por uma disposição conspiratória – e alucinatória – que coloca em suspenso tudo o que sabíamos ou ao menos desconfiávamos do mundo que nos cerca.

Não está em questão o esperado questionamento das estruturas culturais, acadêmicas, científicas e jornalísticas, fique bem entendido. A cultura se faz e se renova com essas colisões. O que acontece é outra coisa, de outra natureza.

Amotinados sem causa reconhecível, os bolsonaristas negam legitimidade às eleições, à imprensa, aos poderes constituídos e à separação desses poderes, às decisões judiciais e aos órgãos internacionais, assim como negaram de pés juntos e mãos postas a pandemia e a eficácia das vacinas, a devastação ambiental, a corrupção governamental e longo rosário de fatos desagradáveis.

Como se há de convencer um eleitor de que Bolsonaro é um atentado ambulante à democracia se o eleitor desacredita da democracia? Como argumentar que a liberdade está sob ameaça se o eleitor acredita que liberdade é um luxo supervalorizado?

Tenho pouca ou nenhuma esperança de que a consumação da derrota de Bolsonaro seja capaz de quebrar a maldição, até porque há muito investimento emocional envolvido. A gestão do presidente na crise sanitária foi a nota de corte. Quem ficou com ele, ficará com ele.

Infelizmente, e muito provavelmente, teremos de lidar a partir de agora com uma porção considerável de compatriotas que vivem numa espécie de Brasil paralelo. Trocadilho voluntário.

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